segunda-feira, abril 28, 2003

CARMELA, REINALDO E CARLINHOS
A Coluna Infame e o Gato Fedorento partilharam com a blogosfera algumas experiências sexuais passadas a 25 de Abril.
Quero também partilhar a estória de um rapaz chamado Carlos, conhecido na terra por Carlinhos, e sua relação sexual com o 25 de Abril.
Esta estória tem uma moral. Atenção ao fim.
STATLER

Uma simples estória de Abril
Naquela cidade da província, as horas de ponta eram quando Carlinhos se intumescia a ver passar belas e roliças moçoilas a caminho de casa, ao princípio da manhã ou ao fim da tarde. Da janela do seu quarto, Carlinhos observava o movimento das ancas das operárias da fábrica de curtumes entre as leituras de As Lições de Outubro de Trotsky e A Luta de Classes em França de Marx.
Durante o dia, Carlinhos lia e relia Duras, Lyotard, Foucault e Walt Disney. Carlinhos gostava principalmente das estórias do Peninha, esse anti-capitalista primário, perseguido pelo tio burguês, explorado a recibos verdes no jornal A Patada.
O 25 de Abril, para Carlinhos, era excepcional. Não havia turnos na fábrica, mas havia a manif da avenida. Naquela cidade da província a manif era preparada com um zelo que não envergonharia Ana Gomes. Todos os anos, desde os seus 16 anos, Carlinhos vivia a manif de uma forma especial. Todos os anos, desde os seus 16 anos, no dia da Liberdade, no dia em que o Estado Novo tinha chegado ao fim, Carlinhos deixava uma moça lá da terra num novo estado, libertando-as da virgindade que as oprimia. “Vou meter a minha chaimite no teu Quartel do Carmo”. Algumas vezes, mais entusiasmado, gritava: "Abrir sempre, fechismo nunca mais!"
Este ano, Carlinhos já a tinha fisgada. Era Romelinda, a filha do delegado sindical da fábrica de curtumes. Com idade suficiente, Romelinda era moça pacata e inocente. No dia da manif lá estava ela. De bandeira na mão e cravo na lapela, ladeada por um primo, dirigente da Intersindical, operário metalúrgico, origem nobre de presidentes da república com nome de molusco (o presidente, não a república). Carlinhos aproximou-se. Meteu conversa. Disse-lhe: “Cada um de acordo com as suas capacidades, a cada um de acordo com as suas necessidades.” Esta frase de Marx, achava Carlinhos, tinha óbvios contornos sexuais. Ela manteve-se calada. Respondeu o primo. “As decisões deviam pertencer aos bairros operários.” Carlinhos ficou surpreendido. Retorquiu que o surrealismo verbal lhe recordava o complexo de Édipo e a fase anal em Piaget (o Carlinhos referia-se a Freud, obviamente). O metalúrgico, de nome Antonino, não se fez rogado. “A liberdade é sempre e exclusivamente a liberdade para aquele que pensa de forma diferente.” Carlinhos aproximou-se. Tinha encontrado um operário com quem podia partilhar os ideais da revolução. “Queres ser o meu Engels?”, perguntou Carlinhos. Quando deu por si, estava debaixo do palanque dos discursos oficiais, onde foi possuído diversas vezes por Antonino.
Nessa altura, Carlinhos, filho dos donos da fábrica de curtumes, percebeu os erros do marxismo e aprendeu uma lição. A classe operária não quer a revolução para se libertar da opressão e da miséria, mas para foder os patrões e a burguesia.