domingo, agosto 03, 2003

FOGO
[Nota prévia: Há dias assim, ficamos amargurados até mais não. Ontem foi um deles e por isso este post é sério.]

Regressado de férias, esperava encontrar aqui o habitual imenso céu azul. Mas não. O que encontrei foi um céu cor de chumbo, pintado pelo intenso fumo dos incêndios que continuam a queimar a Beira Interior. Por isso não consegui calar a mágoa e resolvi deixar aqui uma adaptação de um texto de opinião que escrevi recentemente num jornal regional.

Portugal não tem grandes florestas e a tendência é para não ter nenhuma. Os culpados são os incêndios, mas os culpados dos incêndios somos nós, com especial destaque para todos os que têm responsabilidades nesta área: políticos, técnicos e organizações ecologistas. E podia fazer-se tanto com tão pouco.

1.COORDENAÇÃO A tutela desta área é uma autêntica floresta de competências e, não raramente, de incompetências: a responsabilidade pelas matas portuguesas pertence aos ministérios da Agricultura, (Direcção Geral das Florestas), da Administração Interna (GNR e Liga dos Bombeiros) e do Ambiente (ICN e parques naturais).
No campo da coordenação, o problema é o excesso de actores. O património florestal deve estar sob a alçada de uma única entidade, uma Secretaria de Estado da Floresta, responsável pelo processo de reflorestação e pela formação e coordenação de um corpo de guardas florestais.
Basta olhar para as florestas das celuloses para se perceber imediatamente a importância de implementar medidas desta natureza. São raros, para não dizer raríssimos, os incêndios nas florestas privadas destas empresas. E porquê? Porque há um só poder, muito planeamento e vigia permanente.

2. REFLORESTAÇÃO A maioria dos planos de reflorestação não passa do papel e os que são colocados em prática limitam-se ao pinheiro e ao eucalipto. Qualquer técnico desta área sabe que uma das formas de prevenir incêndios é reflorestar com base na mistura de resinosas e folhosas, como pinheiros e carvalhos, por exemplo.

3. PREVENÇÃO A aposta mais forte terá de ser feita na prevenção, com base em três actos fundamentais:
a. Sensibilização dos utentes da floresta para a obrigatoriedade de zelar pelos bens comuns;
b. Formação dos pastores no sentido de mostrar alternativas às queimadas;
c. Abertura de corta-fogos e limpeza das florestas, recorrendo aos militares, à população prisional e aos desempregados que estão a receber subsídio.

4. COMBATE O espírito de missão leva muitas corporações de bombeiros a deslocar-se para incêndios longe dos seus concelhos. O problema é que os incêndios não são todos iguais e as condições de terreno condicionam as operações de combate. Não bastam homens e viaturas, é preciso um conhecimento profundo do terreno. Por isso parece-me que se justificaria uma comissão regional de prevenção e combate aos incêndios. Esta comissão seria composta por bombeiros locais e técnicos florestais e teria como missões efectuar um levantamento exaustivo das condições do terreno e preparar mapas e planos de formação para as corporações mais próximas de forma a evitar-se a perda de vidas por excesso de voluntarismo. É verdade que já existe a Protecção Civil, mas a sua acção é de tal forma vasta que se justifica uma unidade mais especializada.

Muitas destas constatações são óbvias. Algumas delas vão ser repetidas até à exaustão durante os próximos meses. O problema é que, lá para Outubro, tudo cai no esquecimento até ao primeiro incêndio de 2004. As organizações ecologistas, sempre muito preocupadas com a Floresta Amazónica e com os morcegos do Alqueva, deviam chamar a si a responsabilidade manter a questão dos incêndios na agenda política. Se não for assim, no próximo ano cá estaremos para mostrar a nossa indignação com os incêndios. E em 2005 também. E em 2006. E…, quem sabe, talvez não vá muito além desse ano, pois com este ritmo, nessa altura não haverá nada para queimar.
WALDORF